quarta-feira, 4 de maio de 2011

Caso Banrisul: acusados cogitaram agredir testemunha e subornar delegado


Igor Natusch
Os principais acusados no esquema de desvio de recursos de publicidade do Banrisul não ficaram parados enquanto o Ministério Público investigava o caso. Escutas telefônicas contidas na denúncia do MP mostram que os envolvidos na quadrilha, mesmo cientes das investigações, continuaram agindo e até mesmo cogitaram ações violentas contra denunciantes do esquema, bem como ações de suborno que evitassem a concretização das denúncias.
Em duas gravações do dia 28 de agosto de 2010, integrantes do grupo falam sobre Luciano de Oliveira Totti, subcontratado pelas empresas de Davi Antunes de Oliveira para produzir material publicitário para o Banrisul. Luciano, tratado de forma pejorativa pelos denunciados como “a bicha”, teria ido ao encontro de Gilson Storck na empresa SLM, para avisá-lo de que pretendia depor ao MP sobre o esquema de desvios.
No conteúdo das gravações, é possível identificar claramente a intenção de oferecer dinheiro a Luciano como forma de mantê-lo calado, como no trecho de uma conversa de Armando D’Elia Neto, diretor da DCS, e o então superintendente do Banrisul, Walney Fehlberg. Na transcrição, fica clara a preocupação de ambos com o depoimento de Luciano:
ARMANDO — Falando em passado, tu não sabe quem é que apareceu ontem na SLM…
WALNEY — Quem?
ARMANDO — A bicha.

WALNEY — A bicha?
ARMANDO — É!

WALNEY — O que ela queria?
ARMANDO — Não sei ainda. Estou esperando para tentar descobrir.
WALNEY — Que bicha nojenta, hein cara?
ARMANDO — Meu Deus do céu, não nos livramos nunca desta bicha!

WALNEY — Coisa séria, puta que pariu…
ARMANDO — Estou tentando agora marcar para ver o que…
WALNEY — O que ele quer?
ARMANDO — Não sei ainda, agora que vamos ver…
(…)
WALNEY — Deve querer dinheiro, né?
ARMANDO — Evidente, evidente, né? Vou te dizer!
WALNEY — Ele botou o dinheiro todo naquele troço ali e tiraram ele, não foi?
ARMANDO – Sim, perdeu a merda. Eu tô até esperando para ver se confirmo alguma coisa… A gente até combinou de almoçar, não sei se vamos conseguir. Porque isto aí é prioridade também!
Em conversa do mesmo dia, envolvendo Walney e Davi Antunes de Oliveira, a intenção de pagar pelo silêncio de Luciano de Oliveira Totti fica ainda mais evidenciada:
DAVI – Olha, falei com o Gílson demoradamente, conversamos bastante e ele veio com a história do aeroporto que ele achava esquisita. Eu esclareci, mas não abri bem, né? Mas aí tive que mostrar pra ele que isso aí veio da internet, essa informação aí (prisão de Walney em São Paulo)…
WALNEY — É, isso aí tá na internet, o que ele vai nos chantagear por causa disso?

DAVI — Ele (Luciano Totti) quis dizer que sabia um monte de coisa e assustou os caras, realmente ele assustou, entendeu? (…) Porque o resto tudo eles sabiam através de mim, entendeu? O cara falou até que o Ministério Público ofereceu outra identidade para ele.

WALNEY — Como é que é, que o Ministério Público…?
DAVI — Ofereceu outra identidade pra ele, entendeu? Aquelas coisa assim tipo de filme, eu acho que ele viu muito filme americano.
(…)
WALNEY — Ele quer uma graninha, decerto! Tá fazendo um remelexo, né?
DAVI — Mas o contrato nosso tá muito bem armado com ele. Ele não pode nem aparecer lá (na SLM). Eu tenho que combinar com o Gílson e com o Armando que se ele aparecer por lá ou pela DCS mostrar contrato, olha, por força do contrato que tu assinou eu não posso falar contigo, tu não devia nem estar aqui!
(…)
WALNEY — Ele tem aqueles e-mails do orçamento, deve ter, né?
DAVI — Ora, ele tem alguma coisa, mas nada que não tivesse como explicar entendeu? (…) Ele veio com uma história meia fraca assim, do tipo “Davi, é que aparece o teu nome lá, uma quadrilha, tu, o Gilson”, ele falando isso pra Sonia (Maria Neves Moraes, funcionária da Conexão Sul, usada como laranja na fraude). Gilson, Sonia, Armando e Davi na quadrilha. E aí eu disse que tu não era isso, que tu não fazia parte disso, mas ele tem lá que o Davi te deu um monte de dinheiro, que tu foi para o exterior com esse dinheiro. Ele sabia que ela (Sonia) tinha ido pra Punta e tal.
Em outro trecho, chega a ser levantada a possibilidade de dar uma surra em Luciano de Oliveira Totti — ideia descartada com a lembrança do caso do goleiro Bruno, do Flamengo, acusado de mandar matar uma ex-amante e mãe de seu filho. Além disso, discute-se a possibilidade de corromper um delegado, chamado pelos acusados de Alexandre, para promover uma investigação prévia contra Luciano, caso ele levasse a cabo a ideia de denunciar a quadrilha:
DAVI — Terminou, não vai levar nada, isso já tá decidido. Já falei com o advogado, já preparei o troço e já estamos preparando um negócio aí. Temos que sentar depois mais tarde e conversar. Se ele continuar nós vamos pro pau, porque não tem mais como ceder prum louco desses.
(…)
WALNEY — Agora, esse cara tem que tomar um pau bem dado, cara! Passar um pouquinho, passar um pouquinho e dar um pau bem dado!
DAVI — É, mas o momento não é agora. Tem gente que a gente tem que esperar para dar o troco! E o nosso momento não é agora, nem o meu e nem o teu. Para essas pessoas, tem que ficar bem gel.

WALNEY — É. Tu viu a cagada que aquele Bruno (ex-goleiro do Flamengo) fez, né cara? Foi lá, matou, mandou os caras matar a mulher e agora ele tá fodido. Quer dizer, adiantou? Não! É incomodar ele um tempo mais, sabe, é dar uma grana… Esse momento é muito xarope, é um momento político. A SLM tá fazendo a campanha lá da governadora (Yeda), tu sabe disso, né?
DAVI — Sei, tá fazendo a campanha (…) Deixa comigo que eu vou liquidar esse problema. Já estou trocando tudo, já mandei fazer limpeza (nos computadores), estou botando cada um sentado no seu lugar para dar explicação, cada empresa está no seu lugar. Não temos muito o que temer. O que eu digo é o seguinte, é procurar um amigo que nós temos aí que é delegado (Alexandre), procurar ele e deixar tudo como se a gente já tivesse feito queixa, deixar tudo armado, tu entendeu? Caso o Ministério Público venha. Aí o cara (delegado) bota como se já tivesse uma reclamação nossa de extorsão daquele cara e fica a ficha completa, com todas as falcatruas.(…) Aí não dá aquele baque, aquele escândalo, aí o MP já vai mais devagar, não sei se tu tá me entendendo…
A hipótese de subornar um delegado para comprometer a testemunha é confirmada por uma ligação anterior, do dia 26 de agosto de 2010, na qual Davi Antunes de Oliveira e Armando D’Elia Neto discutem abertamente a questão. Na ligação, Armando usa um rádio Nextel cadastrado em nome da empresa Conexão Sul Comunicação Visual Ltda, o que o MP indica como prova de que o diretor da DCS era também sócio de fato da empresa, ao lado de Davi. No início da ligação, Armando diz que está “aqui com o Gui”, referindo-se a Guilherme Thiesen, funcionário da Conexão Sul e laranja no esquema de fraude. A proposta de suborno feita por Davi é discutida sem reservas por Armando, que parece apenas se preocupar com os custos envolvidos:
DAVI — A ideia é o seguinte: sabe o delegado Alexandre, o gordo aquele, que é meio poderosinho? Sentar com ele, contar a nossa versão dos fatos, e fazer a ocorrência lá com ele pra ele chamar o cara (Luciano). Para o cara ver que nós não vamos recuar, se o cara for fazer um estardalhaço maior vai começar por ali, e ali vai estar mais dominado, entendeu?
ARMANDO — só que aquele cara lá (delegado), aquele ali não é baratinho.
DAVI — Entre se foder com um merda (Luciano) e com ele (delegado)… Entendeu? Se o troço custar uns 20 ou 30 contos, ou 40 contos, uma merda dessas, eu ainda acho que é viável com ele de fazer um acerto, com um desfecho bom e favorável pra nós…
(…)
ARMANDO — Bom, amanhã de qualquer forma a gente já pergunta, né cara? Se é ponto de envolver a polícia ou não. Claro que se for um caminho de envolver polícia ter um cara graúdo é bom, né?

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