sábado, 21 de janeiro de 2012

O que move o partido-imprensa.


Jornal do Brasil - Gilson Caroni Filho, professor, sociólogo  – 10/01/2012

A leitura diária dos jornais pode ser um interessante exercício de sociologia política se tomarmos os conteúdos dos editoriais e das principais colunas pelo que de fato são: a tradução ideológica dos interesses do capital financeiro, a partitura das prioridades do mercado. O que lemos é a propagação, através dos principais órgãos de imprensa, das políticas neoliberais recomendadas pelas grandes organizações econômicas internacionais que usam e abusam do crédito, das estatísticas e da autoridade que ainda lhes resta: o Banco Mundial (Bird), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC).  É a eles, além das simplificações elaboradas pelas agências de classificação de risco, que prestam vassalagem as editorias de política e economia da grande mídia corporativa
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Claramente partidarizado, o jornalismo brasileiro pratica a legitimação adulatória de uma nova ditadura, onde a política não deve ser nada além do palco de um pseudodebate entre partidos que exageram a dimensão das pequenas diferenças que os distinguem para melhor dissimular a enormidade das proibições e submissões que os une. É neste contexto, que visa à produção do desencanto político-eleitoral, que deve ser visto o exercício da desqualificação dos atores políticos e do Estado. Até 2002, era fina a sintonia entre essa prática editorial e o consórcio encastelado nas estruturas de poder. O discurso "modernizante" pretendia —  e ainda pretende — substituir o "arcaísmo" do fazer político pela "eficiência" do economicamente correto. Mas qual o perigo do Estado para o partido-imprensa? Em que ele ameaça suas formulações programáticas e seus interesses econômicos?

O Estado não é uma realidade externa ao homem, alheia à sua vida, apartada do seu destino. E não o pode ser porque ele é uma criação humana, um produto da sociedade em que os homens se congregam. Mesmo quando ele agencia os interesses de uma só classe, como nas sociedades capitalistas, ainda aí o Estado não se aliena dos interesses das demais categorias sociais.

O reconhecimento dos direitos humanos, embora seja um reconhecimento formal pelo Estado  burguês, prova que ele não pode ser uma instituição inteiramente ligada aos membros da classe dominante. O grau maior ou menor da sensibilidade social do Estado depende da consciência humana de quem o encarna. É vista nesta perspectiva que se trava a luta pela hegemonia. De um lado os que querem um Estado ampliado no curso de uma democracia progressiva. De outro os que só o concebem na sua dimensão meramente repressiva; braço armado da segurança e da propriedade.

O partido-imprensa abomina os movimentos sociais:  os sindicatos (que não devem ter senão uma representatividade corporativa), a nação, antevista como ante-câmara do nacionalismo, e o povo sempre embriagado de populismo. Repele tudo que represente um obstáculo à livre-iniciativa, à desregulamentação e às privatizações. Aprendeu que a expansão capitalista só é possível baseada em "ganhos de eficiência", com desemprego em grande escala e com redução dos custos indiretos de segurança social, através de reduções fiscais.

Quando lemos os vitupérios dos seus principais articulistas contra políticas públicas como Bolsa Família, ProUni e  Plano de  Erradicação da Pobreza, dentre outros, temos que levar em conta que trabalham como quadros orgânicos de uma política fundamentalista que, de 1994 a 2002, implementou radical mecanismo de decadência auto-sustentada, caracterizada por crescentes dívidas, desemprego e anemia da atividade econômica.

Como arautos de uma ordem excludente e  ventríloquos da injustiça, em nome de um suposto discurso da competência , endossaram a alienação de quase todo patrimônio público, propagando a mais desmoralizante e sistemática ofensiva contra a cultura cívica do país. Não fizeram- e fazem- apenas o serviço sujo para os que assinam os cheques, reestruturam e demitem. São intelectuais orgânicos do totalitarismo financeiro, têm com ele uma relação simbiótica. E é assim que devem ser compreendidos: como agentes de uma lógica transversa.

Merval Pereira, Miriam Leitão, Sardenberg, Eliane Catanhede, Dora Kramer e outros mais necessitam ser analisados sob essa perspectiva. É ela que molda a ética e o profissionalismo de todos eles. Sem mais nem menos.

2 comentários :

  1. Parabéns por trazer tão relevante tema ao debate.

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  2. A manipulação midiática (que em Santiago, de tão escancarada e visível chega a enojar), é facilmente percebível nas leituras de jornais e noticiosos televisivos. Os blogs ficam de fora. Afinal, acompanha-lhes quem quer, sabendo que comentários eventualmente vinculados pelo leitor terão sua eventual publicação devidamente peneirada, analisada e desde que não contrariem os interesses particulares do dono, levadas ao conhecimento público.
    Imprensa não é isto. Ao contrário, é ouvir todas as versões do fato, é oportunizar a manifestação a todos, sobretudo aos divergentes.
    A manifestação de ideias e pensamentos é tão vital à vida de uma nação que não à toa, veículos informativos são autorizados através de concessões estatais. Concessões estas que, como sabemos, não estão sendo devidamente fiscalizadas. O indivíduo recebe uma concessão para fazer imprensa e acaba fazendo política partidária ou defendendo algum grupo de interesses específico. Fazendo apenas parte do que deveria fazer, privilegiando apenas uma verdade e 'esquecendo' as demais.
    A imprensa, em sua essência é um bem público, nunca foi nem nunca será um bem particular. Bens particulares são apenas suas instalações matriais, seus equipamentos, antenas, imóveis, etc. O poder de divulgação, a essência noticiosa, não.

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