sexta-feira, 16 de março de 2012

Termina hoje CPI que não pôde investigar transporte público em Rio Grande



Comissão Parlamentar de Inquérito foi proposta por vereador de Rio Grande ligado ao PDT, mas presidida por um do PTB, da situação | Foto: CMRG

Samir Oliveira

Termina nesta sexta-feira (16) a CPI que tentou – mas não conseguiu – investigar os contratos entre a prefeitura de Rio Grande e as empresas que prestam o serviço de transporte público na cidade. Durante os 30 dias de existência, a comissão, dominada pela base aliada do prefeito Fábio Branco (PMDB), não avançou na elucidação do imbróglio econômico-jurídico que envolve as licitações do transporte público no município.

Ancorados num parecer jurídico da assessoria da Câmara, os vereadores governistas impediram que fosse feita qualquer pergunta relacionada à concessão dos serviços de transporte. O argumento dos parlamentares leais à prefeitura é o de que o requerimento de CPI elenca como “fatos determinantes” apenas os critérios de aumento da passagem, a superlotação dos coletivos e o descumprimento de horários.

Entretanto, no texto que solicitou a investigação, está escrito que a comissão seria para “esclarecer a todos o previsto no contrato de concessão do transporte coletivo entre a Prefeitura Municipal do Rio Grande e as empresas detentoras da concessão”. Mesmo assim, a assessoria jurídica da Câmara entendeu que o objeto da investigação deveria ser apenas o que estava descrito no pedido de CPI como “fato determinante”.

Formada por cinco vereadores governistas e três oposicionistas, a comissão não conseguiu investigar as relações entre a prefeitura e as duas empresas que dominam o transporte público na cidade: a Cotista e a Noiva do Mar, sendo que a última é subsidiária do grupo Benfica, de São Bernardo do Sul (SP).

Ambas prestam o serviço à prefeitura há mais de 30 anos e a primeira licitação só ocorreu no ano passado. O processo foi vencido por essas mesmas empresas e está sendo investigado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE). A tarifa de ônibus em Rio Grande é de R$ 2,60.

Imbróglio jurídico

Quando surgiu a lei federal das licitações, em 1995, a prefeitura de Rio Grande deveria ter aberto edital para possibilitar a concorrência de empresas para o serviço de transporte público. Em 2000, o Ministério Público (MP) Estadual entrou com uma ação civil-pública para que o município realizasse a licitação. Mas em 2002, quando Fábio Branco estava em seu primeiro mandato na prefeitura, optou por aprovar uma lei que prorrogou por mais dez anos os contratos com a Cotista e a Noiva do Mar.

Quando chegou o ano de 2011 e os contratos venceram, a prefeitura abriu um edital para contratar os prestadores do serviço de transporte público. Entretanto, o processo foi questionado pela oposição e pelo Ministério Público de Contas, que pediu sua suspensão junto ao Tribunal de Contas do Estado. O entendimento dos críticos era de que os critérios estipulados pela licitação não permitiam a concorrência de todas as empresas e favoreciam as que já detinham o serviço.

O TCE acabou suspendendo o edital em julho de 2011, mas a prefeitura conseguiu revogar a decisão com uma liminar do Tribunal de Justiça (TJ-RS). A liminar foi revogada e o TCE voltou a suspender o edital no dia 1º de fevereiro deste ano. No site do TCE, consta que “entre as inconformidades listadas pela auditoria, estão a exigência de aquisição da frota de ônibus em operação, a ausência de justificativa para a adoção de índices de solvência e liquidez, além de problemas na planilha de cálculo tarifário”.

O problema é que, quando o TCE suspendeu o edital, a licitação, então amparada na liminar do TJ-RS, já havia sido concluída. O processo foi encerrado no dia 22 de janeiro, tendo a Cotista e a Noiva do Mar como vencedoras.

Como o edital não podia mais ser suspenso, o TCE pediu o fim do contrato. Então, na prática, hoje os contratos estão suspensos, mas sendo executados até que o pleno do Tribunal de Contas do Estado decida o assunto. Enquanto isso, as empresas continuam operando, por se tratar de um serviço público essencial.

“Quebraram uma tradição parlamentar em nome da manutenção de interesses”, critica petista

É senso comum nos parlamentos brasileiros que o deputado ou vereador que é autor de um pedido de CPI será o seu presidente, caso a comissão seja instalada. Em Rio Grande entretanto, essa convenção não foi seguida. Tanto a presidência da CPI dos Transportes como a relatoria – as duas funções mais importantes – ficaram na mão dos aliados do prefeito Fábio Branco.

Requerimento de CPI do Transporte Coletivo em Rio Grande | Foto: Reprodução

Como a situação tem a maioria das 13 cadeiras da Câmara Municipal, conseguiu também a maioria dos oito assentos na CPI. Ao invés de deixar que o autor do pedido de investigação, Augusto Cesar de Oliveira (PDT), presidisse o colegiado, a base aliada resolveu votar a ocupação dos cargos e acabou escolhendo Giovani Moralles (PTB) para a presidência e José Claudino Saravia (PMDB) para a relatoria.

“Normalmente quem propõe uma CPI fica com a sua presidência. Quebraram uma tradição parlamentar em nome da manutenção de interesses”, critica o vereador Luiz Spotorno (PT).

Ele acusa os governistas de patrolarem os pedidos dos três representantes da oposição na comissão – inclusive a solicitação de que a investigação prosseguisse por mais 30 dias. “Na penúltima sessão a base recusou 54 requerimentos”, exemplifica.

O petista lamenta que investigação não tenha avançado por conta da atuação dos aliados da prefeitura. “Perdemos a oportunidade de fazer uma radiografia do transporte coletivo em Rio Grande”, queixa-se.

“Houve uma defesa intransigente do poder econômico” lamenta autor do pedido

O vereador Augusto Cesar de Oliveira (PDT), autor do pedido da CPI dos Transportes, considera que o que ocorreu não foi uma Comissão Parlamentar de Inquérito. “Isso não pode ser chamado de CPI. A arbitrariedade da base aliada foi absurda. Houve uma defesa intransigente do poder econômico”, condena.

Conhecido como Coronel Oliveira – já que é oficial reformado do Exército -, o parlamentar assumiu como titular no ano passado, quando o PDT ainda apoiava o prefeito Fábio Branco. Entretanto, sua motivação em instalar a CPI dos Transportes fez com que o partido rompesse com a prefeitura e desse o voto que faltava para que a investigação pudesse sair do papel. “Não existe subserviência. Reuni a executiva do partido e decidimos, por maioria, entregar os cargos que tínhamos na prefeitura. Não vou ficar sendo ameaçado por ser da base aliada”, comenta o vereador.

Oliveira protagonizou um dos episódios mais polêmicos da CPI, quando recebeu uma denúncia anônima com documentos apontando que a empresa Noiva do Mar possui uma suposta dívida de mais de R$ 50 mil com a prefeitura de Rio Grande referente ao não pagamento de ISSQN. O documento estava com a data de outubro do ano passado, e a licitação havia sido feita em julho, com a participação da Noiva do Mar – o que não poderia ter acontecido se a empresa estiver, de fato, devendo aos cofres públicos.

O vereador apresentou a denúncia na CPI, mas o relator se recusou a incluir o documento nos autos. A base aliada também se negou a aprovar o requerimento de informações sobre o caso junto à Secretaria da Fazenda. E o pedetista ainda foi acusado pela Noiva do Mar de ter cometido um “crime” por entregar o documento à comissão.

O terceiro vereador de oposição na CPI, Júlio Martins (PCdoB), avalia que a única vantagem da comissão foi a possibilidade de reunir documentação sobre o tema. O parlamentar garante que irá acionar o Ministério Público para que as investigações prossigam. “Há uma série de documentos para embasar as queixas ao MP. Independente do resultado da CPI, isso irá ocorrer”, projeta.

O comunista lamenta que, após quatro tentativas de instalar uma CPI para investigar os contratos de transporte na cidade, uma comissão tenha saído do papel e feito quase nada. “Nos proibiram de falar sobre as licitações”, critica.

Servidor responsável pela manutenção dos ônibus não tem formação técnica

Uma das coisas que a CPI dos Transportes em Rio Grande conseguiu apurar foi que o servidor responsável pela manutenção da frota de ônibus da cidade não possui formação técnica para o trabalho. Convocado para depor na comissão, o funcionário pôde responder apenas a três perguntas do relator e depois foi dispensado, sem poder ser questionado pela oposição.

“Ele disse que faz apenas o serviço burocrático. Mas há várias fichas da Secretaria dos Transportes nas quais ele assina como mecânico. Essa testemunha faltou com a verdade”, aponta o vereador Augusto Cesar de Oliveira.

Secretária dos Transportes diz que não sabe se empresa tinha dívida com a prefeitura

A titular da Secretaria da Segurança, dos Transportes e do Trânsito de Rio Grande, Rubia Mara Rodrigues, foi convocada para depor na CPI, mas não falou sobre os contratos das empresas do setor com a prefeitura – já que a base aliada vetou o tema.

Em conversa com a reportagem do Sul21, a secretária esclareceu que “a licitação foi concluída mediante a segurança de uma liminar judicial” e informou que outras empresas só não participaram da concorrência porque não quiseram.

“Outras empresas fizeram visitas. Por opção, não participaram. E nenhuma empresa sugeriu que havia irregularidades no edital”, defende. Se não for derrubado pelo Tribunal de Contas, o edital no qual venceram a Contista e a Noiva do Mar ficará em vigência por 10 anos e poderá ser automaticamente renovado pela prefeitura por mais uma década.

Questionada sobre uma suposta dívida da empresa Noiva do Mar com a prefeitura, a secretária dos Transportes disse não ter conhecimento sobre o tema. “Não tenho acesso ao sistema para verificar. Sei que as empresas tiveram suas certidões negativas de débito emitidas pela Secretaria da Fazenda. Se houvesse alguma dívida elas não teriam essas certidões”, explicou.

A reportagem entrou em contato com a assessoria do secretário da Fazenda de Rio Grande, Edis Andrade Filho, que informou que o secretário estava com a agenda cheia.

“A oposição nunca vai bater palmas”, rebate presidente da CPI

O vereador Giovani Moralles (PTB), presidente da CPI dos Transportes em Rio Grande, alega que os trabalhos transcorrera dentro do que foi estipulado pela assessoria jurídica da Câmara Municipal. “Tivemos toda a assessoria jurídica da Casa e tudo transcorreu dentro da normalidade”, justifica.

Ele considera naturais as críticas da oposição e diz que não poderia ter permitido que qualquer assunto referente às licitações prosperasse porque não fazia parte dos objetivos previstos como “fatores determinantes” no requerimento de instalação da CPI. “É preciso limitar a atuação, se não nunca terminaríamos. Muitas vezes uma CPI é sobre batatas e procuram falar sobre maçãs. Apenas centrei os requerimentos naquilo que estava previsto”, defende.

Para o petebista, os oposicionistas poderiam ter feito um novo pedido de investigação, focado nos contratos com as empresas do transporte. “Nada impedia eles de fazerem outro requerimento. Sabemos que numa casa política as coisas são assim, a oposição nunca vai bater palma”, observa.

Blogueiros e internautas denunciam silêncio da mídia em Rio Grande e provocam reação do presidente da Câmara

A CPI dos Transportes em Rio Grande foi acompanhada de perto por blogueiros e internautas da cidade. Eles denunciam o silêncio da mídia local sobre o tema e as informações divulgadas chegaram a irritar o presidente da Câmara Municipal, vereador Wilson Batista Duarte da Silva (PMDB), mais conhecido como “Kanelão”.

Diante da profusão de informações e imagens veiculadas em blogs e nas redes sociais, o peemedebista reuniu os assessores dos parlamentares e ameaçou demitir quem postasse informações ou imagens sobre a CPI na internet.

“No início desta semana, o vereador Wilson Batista Duarte da Silva, o “Kanelão” (há cerca de vinte anos dono de uma das cadeiras do Legislativo de Rio Grande), convocou os assessores parlamentares do Legislativo para anunciar uma norma interna que reporta a tempos nada saudosos: de agora em diante, o funcionário que publicar fotos ou notícias da Câmara na internet será exonerado de seu cargo”, informou o historiador e blogueiro Francisco Cougo no início do mês.

Ele também critica o pouco caso com que a imprensa local tratou a CPI. “O Jornal Agora trata a CPI com desdém. O diário, que há muito mudou de informativo para omisso, reporta o dia-a-dia da Comissão como se fosse a própria ata dos trabalhos”, condena.

O historiador lembra, ainda, que a RBS deu apenas 23 segundos para o assunto quando a comissão foi instalada. “No dia 17 de fevereiro, a emissora local (da RBS TV) reservou 23 segundos para noticiar a criação da Comissão. Depois disso, falou de Carnaval, de Garota Verão, da dupla Rio-Rita e até entrevistou o bispo da cidade, sobre a Quaresma – em matéria de longos dois minutos! Sobre o transporte público, nada. Não chega a espantar: a Viação Noiva do Mar, uma das empresas envolvidas no imbróglio todo, é importante anunciante da emissora”, relaciona.

Nenhum comentário :

Postar um comentário