quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Acusação do “mensalão” não cita mesadas a parlamentares, mas uma série de crimes



Felipe Prestes sul21


A acusação que começa a ser julgada nesta quinta-feira (2) se aproxima da denúncia que veio à tona em junho de 2005, da boca do presidente do PTB, Roberto Jefferson, que afirmou que haveria um pagamento de mesada a parlamentares pelo Governo para obter votações favoráveis na Câmara dos Deputados. Entretanto, a acusação feita pelo então procurador-geral da República Antônio Fernando de Souza não cita qualquer nexo mensal, como sugere o termo “mensalão”, e pouco relaciona os pagamentos com votações no Parlamento. Para o procurador houve “compra de apoio político” por meio das cúpulas partidárias e lideranças de bancadas de PP, PTB, o antigo PL (hoje grande parte de seus integrantes está no PR) e PMDB.

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Envoltos no termo “mensalão” se embaralham uma série de acusações contidas na Ação Penal 470, que o Supremo começa a julgar. Os possíveis delitos foram desnudados após a denúncia de que teria ocorrido o “mensalão”, a partir das investigações sobre as agências de publicidade de Marcos Valério. Muito provavelmente, boa parte a população não fica sabendo destas diferentes acusações, já que tudo foi tratado como uma coisa só. Entre as acusações, além da compra de apoio político, que enquadrou os acusados em corrupção passiva ou ativa, estão, por exemplo, o desvio de recursos públicos do Banco do Brasil e da Câmara dos Deputados e a evasão de divisas para os Estados Unidos, feita para remunerar dívidas do PT com o marqueteiro Duda Mendonça.

A questão central, que une todas as acusações, é o esquema armado por Marcos Valério, sócio de agências de publicidade em Minas Gerais, com auxílio do Banco Rural. Valério conseguia ocultar repasses de dinheiro a políticos, por meio de saques na boca do caixa ou falsos empréstimos. Em troca, garantia que suas agências, a DNA Propaganda Ltda. e a SMP&B conseguissem a conta de estatais e outros órgãos públicos. A acusação também afirma que havia desvio de dinheiro público no exercício destes contratos.

O esquema das agências de publicidade com o Banco Rural começara nos anos 1990, com políticos de Minas Gerais ligados ao PFL (hoje DEM) e ao PSDB, especialmente na campanha para governador do hoje senador Eduardo Azeredo. O tucano acabou derrotado por Itamar Franco. É possível que, naquela ocasião, tenha havido repasses de dinheiro do “valerioduto” para a campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O “mensalão mineiro” é alvo de outro processo que ainda não foi julgado.

FORMAÇÃO DE QUADRILHA


Secretário de finanças do PT, Delúbio Soares estaria envolvido na negociação de apoio político e no custeio de campanhas do partido | Foto: Antonio Cruz / ABr

Para Antônio Fernando de Souza, foi formada uma organização criminosa que tinha três núcleos. O núcleo central seria a cúpula do PT, formada pelo então presidente da sigla, José Genoíno; pelo secretário de Finanças, Delúbio Soares; pelo secretário-geral, Sílvio Pereira e por José Dirceu, que era chefe da Casa Civil do Governo Lula. O objetivo deste núcleo era “negociar apoio político, pagar dívidas pretéritas do partido e também custear campanha e outras despesas do PT e seus aliados”.

Haveria ainda os núcleos de Marcos Valério, que inclui seus sócios Ramón Hollerbach, Cristiano Paz e Rogério Tolentino; a ex-diretora financeira da SMP&B, Simone Vasconcelos, e a gerente financeira Geiza Dias dos Santos; e do Banco Rural, que inclui seus diretores José Augusto Dumont (já falecido), Ayanna Tenório, Vinicius Samarane, Kátia Rabello.

Todos estes 14 réus estão denunciados no Artigo 288 do Código Penal: Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes.

Entre as provas que a PGR elenca para a formação de uma organização criminosa, estão diversos encontros na sede do PT nacional, ou em hotéis de Brasília, entre Valério e Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Há ainda quatro visitas de Valério à Casa Civil, visitas de dirigentes do Banco Rural a órgãos da administração pública com ajuda do publicitário. Todos os encontros que Valério mantinha ficavam registrados na agenda de sua secretária. Além disto, há uma série de depoimentos de testemunhas, inclusive do próprio Valério.

Sobre os saques de dinheiro no Banco Rural, grande parte deles está documentada, porque a pessoa que sacava precisava registrar isto em um documento para controle da SMP&B. Os empréstimos que a PGR considera falsos também estão, evidentemente, documentados.
BANCO BMG

O banco BMG também teria atuado com falsos empréstimos às empresas de Marcos Valério e obtido em troca liberação para atuar no ramo de empréstimos consignados a beneficiários do INSS, contrariando um parecer jurídico. A regulamentação da época dizia que bancos que não atuavam no pagamento de benefícios não poderiam atuar no empréstimo consignado, mas, ainda assim, o BMG conseguiu autorização para fazê-lo. Segundo a denúncia da PGR, o presidente do INSS à época, Carlos Gomes Bezerra, “adotou diversas providências para permitir a atuação do BMG neste mercado”.

À época, o presidente do BMG foi recebido por José Dirceu. Ele afirmou à CPMI dos Correios que a conversa foi sobre a falta de liquidez no mercado após a quebra do Banco Santos. Ricardo Guimarães, dirigente do banco, também confirmou ter conseguido emprego no banco para Maria Ângela Saragoza, ex-mulher de José Dirceu, atendendo a um pedido de Marcos Valério.

O BMG não foi incluído na denúncia, porque não manteve relação “estável e permanente”, não fazendo parte, portanto, da organização criminosa. Por isto, sua participação está em outro processo, que tramita na 13a. Vara Federal de Brasília.


DESVIOS DE RECURSOS DO BANCO DO BRASIL

Uma das questões-chave da acusação é saber se houve desvios de recursos públicos. Para a PGR, Henrique Pizzolato, então diretor de Marketing do Banco do Brasil, permitiu que a DNA Propaganda Ltda., uma das empresas de Valério, desviasse R$ 2.923.686 de um contrato com o banco. Petista desde a fundação da sigla, Pizzolato teria “pleno conhecimento” de todo o esquema.


Luiz Gushiken foi citado, mas procurador-geral pedirá sua absolvição por falta de provas | Foto: Wilson Dias/ABr

Além disto, a PGR considera irregular um contrato sem licitação do BB com a DNA para o Banco Popular, em que houve uma antecipação de R$ 73 milhões à agência, pagos pelo Fundo Visanet. O procurador-geral Antônio Fernando de Souza afirmou que secretário de Comunicação da Presidência da República, Luiz Gushiken, teria conhecimento sobre a operação, mas o novo procurador, Roberto Gurgel, pediu a absolvição de Gushiken, considerando que não havia provas de sua participação.

Já Henrique Pizzolato é acusado também de ter recebido propina pelo desvio de recursos. Ele teria enviado um funcionário do fundo de previdência do BB (Previ) até o Banco Rural. O funcionário Luiz Eduardo Ferreira admitiu ter sacadoem espécie R$ 326.660 e entregue o montante na residência de Henrique Pizzolato.



DESVIO DE RECURSOS DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

Segundo a acusação, o deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) fez estreita amizade com Marcos Valério. Uma das empresas de Valério fez, inclusive, uma pré-campanha eleitoral de graça para o PT em Osasco, reduto eleitoral de Cunha. Valério também fez a campanha de Cunha à presidência da Câmara dos Deputados, que acabou vitoriosa. O empresário chegou a presentear a secretária do deputado e sua filha com uma viagem para o Rio de Janeiro e o parlamentar com uma caneta Mont Blanc.

Após a vitória de Cunha, ele teria utilizado a presidência para retribuir a Valério os favores e também para ele próprio se locupletar. A SMP&B foi contratada para fazer publicidade para a Câmara dos Deputados, mas subcontratou 99,9% do serviço, segundo a PGR. Mesmo não tendo feito nada do serviço, a agência foi remunerada em R$ 536 mil, o que o procurador considerou como desvio de dinheiro público.

Além disto, Cunha teria se beneficiado de duas diferentes maneiras. A esposa dele, Márcia Regina, sacou R$ 50 mil em espécie em uma agência do Banco Rural. De outro lado, foi subcontratada pela Câmara a empresa IFT – Ideias, Fato e Texto Ltda. para a realização boletins mensais sobre ações do Parlamento. Os boletins jamais foram entregues, segundo a acusação, e a empresa pertencia a Luis Costa Pinto, assessor direto de João Paulo Cunha.
LAVAGEM DE DINHEIRO E GESTÃO FRAUDULENTA

Para realizar compra de apoio político e o pagamento de dívidas do PT, o dinheiro era branqueado via Banco Rural como a emissão de um cheque pela SMP&B, que autorizava o banco a liberar o montante em espécie para “fornecedores”. Por isto, todos os saques feitos na boca do caixa do Banco Rural foram considerados lavagem de dinheiro pela acusação.

Os diretores do Banco Rural também são acusados por gestão fraudulenta, por colaborarem com as ações da SMP&B de diversas maneiras: enganando os órgãos de controle sobre as movimentações financeiras, autorizando empréstimos à SMP&B que não tinham como ser pagos, entre outros expedientes. Na prática, boa parte do dinheiro do Valerioduto saía do próprio Banco Rural, já que o dinheiro não seria efetivamente pago, segundo a PGR, pelas agências de Marcos Valério.


COMPRA DE APOIO POLÍTICO

Entre outras acusações, José Dirceu é citado no processo por ter supostamente cometido corrupção ativa | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

A acusação divide a denúncia de compra de apoio político por sigla. Os núcleos envolvidos de PP e PL foram considerados organizações criminosas, porque sua atuação incluiu uso de empresas laranjas para receber dinheiro do Valerioduto. Eles também foram enquadrados nos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os integrantes do PTB envolvidos foram acusados apenas de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No PMDB, há apenas um parlamentar envolvido.

Em todas as acusações referentes à compra de apoio político, todos os que a PGR considera integrantes do núcleo petista (José Dirceu, José Genoíno, Sílvio Pereira e Delúbio Soares) e do núcleo de Marcos Valério (além do empresário, Ramón Hollerbach, Cristiano Paz, Rogério Tolentino, Geiza Dias dos Santos e Simone Vasconcelos) são incluídos por corrupção ativa. A denúncia pouco relaciona os repasses à atuação das bancadas dos partidos na Câmara dos Deputados, apenas diz que a atuação dos envolvidos nas sessões que discutiram as reformas da previdência e tributária, no início do Governo Lula, comprovariam a compra de apoio político.


Partido Progressista

A organização criminosa formada pelo PP incluía, segundo a PGR, Pedro Corrêa, que era presidente nacional do partido; Pedro Henry, líder da bancada na Câmara e José Janene (falecido em 2010), deputado e membro da Executiva nacional da sigla. Além deles, João Cláudio Genú, homem de confiança da cúpula do partido e Enivaldo Quadrado, Breno Fischberg e Carlos Alberto Quaglia, sócios de empresas utilizadas para lavar o dinheiro dos repasses.

A compra de apoio teria se dado após reunião do então presidente do PT, José Genoíno, com as referidas lideranças do PP, na qual se discutiu o apoio ao Governo Lula e os progressistas levantaram a possibilidade de o PT ajudar o partido em determinadas regiões do país. O PP sacou R$ 2,9 milhões em espécie no Banco Rural e usou as empresas Bônus-Banval (de Enivaldo Quadrado e Breno Fischberg) e Natimar (de Carlos Alberto Quaglia) para sacar outros R$ 1,2 milhão.


Partido Liberal

O acordo com o PL teria se dado não visando apoio na Câmara dos Deputados, mas antes da eleição, haja vista que o partido apoiou a candidatura de Lula em 2002, tendo, inclusive, indicado o candidato à vice-presidência José Alencar. Ao longo de 2003 e 2004, o partido recebeu R$ 10 milhões, por meio de Valdemar Costa Neto, que era presidente da sigla e líder da bancada na Câmara; Jacinto Lamas, tesoureiro do partido; e Antônio Lamas, irmão de Jacinto e também filiado ao PL.

O partido se utilizou da Guaranhuns Empreendimentos para receber o dinheiro. A empresa pertencia a Lúcio Bolonha Funaro. Ele não está no processo porque a PGR incluíra erroneamente um homônimo e o verdadeiro acusado não foi localizado. Foragido, Funaro também foi investigado pela Operação Satiagraha e é acusado de ser doleiro.

Em depoimentos, Marcos Valério afirmou que todas as negociações eram feitas com Jacinto Lamas e reportadas a Delúbio Soares. Além de Valdemar Costa Neto, outro parlamentar do PL também está envolvido na Ação Penal 470, Carlos Alberto Rodrigues Pinto, o Bispo Rodrigues, que efetuou, por meio de um laranja, um saque no Banco Rural.

Marcos Valério seria responsável por ocultar repasses de dinheiro a políticos, por meio de saques na boca do caixa ou falsos empréstimos | Foto: Antonio Cruz/ABr


Partido Trabalhista Brasileiro

Segundo o então tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri, foi feito um acordo para o repasse de R$ 20 milhões do PT ao PTB em cinco parcelas de R$ 4 milhões. Na reunião, segundo Palmieri, estavam além dele, Roberto Jefferson, José Mucio, José Genoíno, Delúbio Soares, Sílvio Pereira e Marcelo Sereno.

O PTB acabou recebendo apenas a primeira parcela. Os parlamentares beneficiados foram Roberto Jefferson e Romeu Queiroz, sempre com auxílio de Emerson Palmieri. José Carlos Martinez, presidente anterior do PTB, que faleceu, teria iniciado as negociações, que depois ficaram a cargo de Jefferson.

Neste vácuo dos repasses, ocasionado pela morte de Martinez, o então ministro dos Transportes,Anderson Adauto (que era do PL, mas hoje está no PMDB), teria intermediado contatos entre Valério, que ele já conhecia da política de Minas Gerais, e o PTB, segundo depoimento de petebistas.


Partido do Movimento Democrático Brasileiro

José Rodrigues Borba, então líder da bancada do PMDB, teria procurado Marcos Valério em busca da indicação de cargos no Governo Federal, por considerar o empresário influente na administração. Ele teria recebido R$ 200 mil que lhe foram entregues por Simone Vasconcelos, depois que o peemedebista foi até uma agência do Banco Rural sacar o dinheiro, mas se recusou a assinar um documento.


OUTROS POLÍTICOS QUE TERIAM SE VALIDO DO VALERIODUTO

Paulo Rocha, deputado federal (PT) – admitiu, segundo a acusação, ter recebido R$ 920 mil via Banco Rural. A verba teria sido recebida por sua assessora Anita Leocádia, que também teria pleno conhecimento do esquema, por isto foi acusada, diferentemente de outras pessoas que foram sacar dinheiro no Banco Rural, mas foram consideradas apenas laranjas.

João Magno, deputado federal (PT) – Admitiu, segundo a acusação, ter recebido R$ 200 mil, por orientação de Delúbio Soares.

Luiz Carlos da Silva (Professor Luizinho), deputado federal (PT) – teria recebido R$ 20 mil por meio do esquema.

Anderson Adauto, ministro dos Transportes (PL) – Já citado anteriormente, o então ministro teria sacado R$ 1 milhão do Valerioduto, com ajuda de seu chefe de gabinete José Luiz Alves.


PAGAMENTO DE DÍVIDA COM DUDA MENDONÇA/EVASÃO DE DIVISAS

Publicitário Duda Mendonça seria credor de dívida milionária do PT, supostamente paga por meio de esquema criminoso | Valter Campanato/Agência Brasil

Delúbio Soares teria apresentado Marcos Valério ao marqueteiro Duda Mendonçae sua sócia Zilmar Fernandes para que Valério pagasse uma dívida milionária que o PT havia contraído com Mendonça na campanha eleitoral de 2002. Parte dos pagamentos foi recebida em saques em espécie no Banco Rural, mas Mendonça e Zilmar apresentaram uma forma alternativa de pagamento. Por meio da offshore Dusseldorf Company Ltd., propriedade de Duda Mendonça nas Bahamas, o dinheiro era enviado a uma conta no Bank of Boston. Os repasses totalizaram R$ 10 milhões, segundo a PGR.

Duda Mendonça e Zilmar Fernandes foram acusados por evasão de divisas, crime pelo qual também foi acusado todo o núcleo do Banco Rural. O núcleo do banco, bem como o de Valério e Duda e Zilmar também são acusados por lavagem de dinheiro.

2 comentários :

  1. O mais interessante das análises midiáticas paulistas (as outras, à exceção do Rio, vão à reboque), é que deixam transparecer a mágoa, o recalque, o descontentamento dos resultados eleitorais das urnas. Sofrem derrotas acachapantes, humilhantes mas se acham no direito de promover movimentos golpistas 'a la Paraguai'. E aí vale todo tipo de tentativas de desvio, de manipulação.
    Tentam desrespeitar o voto soberano das urnas. Para eles, os mais pobres, os negros, os desprivilegiados, os carentes servem apenas para trabalho escravo, acachapante, submisso.
    Eles são superiores. Têm o direito às melhores escolas (de preferência, públicas), aos melhores empregos, às melhores posições na sociedade e nos cargos estatais.
    A continuidade do que tem sido, sempre. Das capitanias hereditárias às concessões das telecomunicações, por exemplo.
    Dos partidos políticos, o podre é o PT. Claro, ousou subir ao poder. Não conhece o seu lugar!
    Pouco importa se outros partidos, noutros tempos fizeram o mesmo ou até pior do que acusam o partido dos trabalhadores. Acusam por conhecer à fundo todos os esquemas de corrupção. Claro, foram seus criadores.
    Quem não acompanha a história do país, até é capaz de se enganar!

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    1. Bom, isto é fato...
      Mas e o outro mensalão, aquele lá das Minas Gerais, bem mais antigo, onde o valerioduto começou, aquele dos tucanos, nada?
      Simplesmente vai prescrever e não será julgado?
      Gozado isto. O mensalão do PT "furou a fila", por interesse de quem?
      Como diria aquele blogueiro, "Estranho, muito estranho, estranhíssimo!"
      oCarancho#

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