domingo, 4 de agosto de 2013

RBS antecipa campanha eleitoral. Só falta assumir candidaturas e as suas escolhas

           Já virou uma prática rotineira e saudável, em vários países do mundo, empresas de comunicação declararem abertamente suas posições políticas e, em períodos eleitorais, declarar apoio a este ou aquele candidato ou candidata. Jornais como New York Times, Washington Post, Le Monde e, mais recentemente, no Brasil, O Estado de São Paulo, anunciaram de modo transparente os candidatos e os programas que estavam defendendo. Essa prática ainda é pouco usual no Brasil.

                 No Rio Grande do Sul, além de não ser usual, ela tem uma particularidade: o maior grupo de comunicação do Estado, a RBS, além de não revelar à população a candidatura e as ideias que apoia, sistematicamente cede candidatos para a arena política, normalmente comunicadores de rádio e/ou tv com grande exposição midiática. Os casos de ex-funcionários do grupo que viraram candidatos são bem conhecidos: Antonio Britto, Sergio Zambiasi, Paulo Borges, Ana Amélia Lemos, apenas para citar alguns. Nas eleições do ano que vem, dois pesos pesados da empresa poderão estar em cena: a própria Ana Amélia Lemos (provável candidata ao governo do Estado) e Lasier Martins (possível candidato ao Senado ou à Câmara).
            A empresa não admite nutrir simpatias programáticas por seus quadros-candidatos, mas, nas últimas semanas, o noticiário de alguns de seus principais veículos já começou a ensaiar um possível programa para essas candidaturas, em nível estadual e federal. Na noite desta segunda-feira, o programa RBS Notícias iniciou uma série sobre o Pesadelo da Saúde no Estado. Antes da exibição da primeira reportagem, em dois intervalos comerciais dos jornais, propaganda paga do Sindicato dos Médicos do Rio Grande do Sul (Simers) pedia para que a população não fosse ao SUS amanhã e quarta porque os médicos farão uma paralisação “em defesa da saúde e contra as medidas eleitoreiras do governo federal”. Entre as “medidas eleitoreiras”, aliás, está justamente procurar resolver um dos problemas apontados na reportagem: a dificuldade da população mais pobre ter acesso a médicos.
É a segunda série no atual governo, conforme informa a própria reportagem. A primeira, em 2011, denunciou o “caos na saúde”. Entre o caos e o pesadelo não é feita nenhuma menção ao mercado privado dos planos de saúde e ao “cuidadoso” atendimento que ele presta à população pobre do país. O caos transformado em pesadelo mora exclusivamente no setor público e pega uma carona nos protestos de rua de junho. A saúde é apontada como uma das principais reivindicações dos manifestantes. Com uma estética típica de programas eleitorais, a reportagem retrata em tom dramático problemas de algumas pessoas pobres com dificuldade para ter acesso aos serviços públicos de saúde. Problemas reais, obviamente. Mas uma realidade contada só pela metade.
                    Além de não fazer nenhuma menção ao avanço do setor privado que transforma doença em mercadoria, na metade ocultada do telespectador, também (não) estão as escolhas, políticas, candidatos e governantes defendidos pela RBS nas últimas décadas que defenderam o Estado mínimo, as privatizações, a sacralização do mercado e a criminalização do setor público. Nada é dito sobre como essas escolhas e políticas impactaram a saúde pública no Estado e no país. O ocultamento da história também pode ser um pesadelo para uma democracia.
           A RBS não só apoiou – e segue apoiando – esse ideário como participou ativamente de sua implementação como ocorreu, por exemplo, no caso da privatização da Companhia Riograndense de Telecomunicação (CRT). E em muitos outros casos. Segundo pesquisa realizada por Suzy dos Santos (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Culturas Contemporâneas da Faculdade de Comunicação da UFBa e Sérgio Capparelli (do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação da Fabico/UFRGS), a RBS esteve presente em praticamente todos os momentos do processo de privatização das telecomunicações no país. Em 16 de dezembro de 1996, esse processo atingiu seu ápice no Rio Grande do Sul, quando ganhou a licitação para a privatização de 35% da CRT, comandada pelo então governador Antônio Britto (ex-funcionário da RBS), através do consórcio Telefônica do Brasil. A história é bem conhecida na aldeia.
        Logo em seguida, o grupo deflagrou uma guerra sem quartel contra o governo Olívio Dutra, do primeiro ao último dia. O caos, então, aterrissou na área da segurança e as manchetes se repetiam: caos, pesadelo, medo…No dia seguinte à eleição de Germano Rigotto, em um momento de transparência pós-parto, o jornal Zero Hora publicou um editorial saudando o fim daquele governo de conflitos e retrocesso e a chegada de um governo empreendedor. Na área da segurança, José Otávio Germano é anunciado como o homem que iria afastar o caos dos dias de José Paulo Bisol e Olívio Dutra. Logo no início, Germano anunciou a sua filosofia de trabalho: “a polícia agora vai atuar sem freio de mão”. Essas histórias também são bem conhecidas e sua repetição justifica-se apenas para lembrar que a RBS não é uma entidade a-histórica. Ela faz parte das escolhas que conduziram o Rio Grande do Sul ao ponto onde está hoje. Só que nunca assume isso. Nunca. Lembrar tudo isso é um revanchismo anacrônico? Talvez. Há quem chame de memória, ou de história. E há quem ache também que essas coisas, memória e história, são necessárias para entender os problemas do presente.
             Obviamente que a saúde pública é um problema no Brasil, assim como a educação, a segurança e outros serviços públicos que ainda sofrem problemas de financiamento. O que também é um problema é a falta de transparência de empresas de comunicação que professam uma ideologia fundamentalista de mercado, a qual têm como alvo preferencial as instituições públicas, os governos, os servidores públicos e qualquer coisa que possa “atrapalhar” os negócios. As políticas públicas, na maior parte das vezes, ocupam o noticiário acompanhadas de palavras como “escândalo”, “pesadelo”, caos”…Dos servidores públicos, mais recentemente, o interesse recai principalmente sobre o seu salário, cercado de permanentes suspeitas.
             Regularmente, a RBS produz seminários, séries de reportagens, grandes campanhas para apontar problemas, fazer diagnósticos e apresentar soluções para o Estado. Não há nada de errado nisso. O que é questionável é fazer tudo isso omitindo da população as suas próprias escolhas, crenças e responsabilidades. E a RBS é uma organização que tem data de nascimento, história e, portanto, passado: apoiou a ditadura, o golpe civil-militar que derrubou o governo presidente João Goulart, as privatizações (da saúde, inclusive), o discurso do Estado mínimo (na saúde também), os desertos verdes, o valor sagrado do mercado, foi contra o desarmamento e, no início, combateu iniciativas como o Orçamento Participativo, o Fórum Social Mundial. A linha editorial dos veículos do grupo está sempre pronta a apontar as mazelas do setor público e a silenciar sobre a responsabilidade do setor privado pelos problemas estruturais do país. Não é acaso que, na página de Zero Hora na internet, a editoria de Economia apresente na seção “O Rio Grande que dá certo” apenas “cases” do setor privado. Não há uma linha sequer sobre algo vindo do setor público que esteja “dando certo”.
          Nossa história é feita de nossas escolhas. Ao omitir as suas escolhas e as suas respectivas responsabilidades, a RBS alimenta aquele que pode ser um dos piores pesadelos para uma democracia: a aversão pela memória e pela história. A empresa, assim como muitas outras no país, tem uma dívida pesada com a democracia brasileira. Já que parece disposta a antecipar a campanha eleitoral, poderia também anunciar já quem são seus candidatos e candidatas e seus respectivos programas.

fonte> http://rsurgente.wordpress.com/

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